Deus desmascara a ideologia do poder e da
exclusividade!
O natal promovido e dinamizado pelo comércio
vai desaparecendo das vitrines enquanto os comerciantes fazem as contas. As liquidações
ainda atraem alguns consumidores insaciáveis, enquanto vamos consumindo, meio a
contragosto, os últimos chocolates e panetones. Mas a
liturgia católica vai na contramão, e está a nos lembrar que o mistério do
Natal de Jesus ainda não se esgotou, e continua a nos iluminar e interpelar com
sua novidade inapreensível e sua beleza envolvente. A festa da epifania de
Jesus sublinha um aspecto novo do Natal: em Belém, Deus se manifesta para o bem
de todos os povos.
Algumas décadas depois do nascimento de Jesus,
e vários anos depois de ele ter sofrido a condenação e a morte e de ter sido
ressuscitado, na voz de Paulo ressoa uma convicção arraigada na vida dos
discípulos e discípulas: em Jesus, na sua vida e nas suas palavras, Deus revela
sua mais límpida vontade, ou seja, que todos os povos e nações que não
pertencem ao judaísmo – os chamados pagãos – são admitidos à mesma herança, são
membros do mesmo corpo e são associados à mesma promessa, a isso que os judeus
afirmavam ser exclusivamente reservado a quem fosse da sua raça e aceitasse
suas leis.
É muito presente e atraente, também hoje, a
tentação de dividir a humanidade em dois grupos: judeus e pagãos, as pessoas do
bem e as pessoas do mal, os cidadãos e os não cidadãos, os santos e os
pecadores, os cristãos e os hereges, os que tem méritos e os que nada merecem,
nós e eles... Via de regra, aqueles que estabelecem e proclamam essa divisão se
incluem sempre no primeiro grupo, os que agradariam a Deus e para quem Deus teria
revelado sua vontade... Não conseguem imaginar ou entender que, em Belém e na
Galileia, na Judeia e na Samaria, Jesus tenha contestado e desmascarado essa
ideologia.
Mas a manifestação de Deus em Belém e em
Nazaré, na estrebaria e na cruz, nas estradas e no templo, se confronta com uma
outra doce e piedosa tentação: a ideologia do poder, que imagina e anuncia que
Deus é todo-poderoso e age prioritariamente mediante as pessoas que se destacam
pelo poder, pelo saber ou pela riqueza. Ao proclamar que o Senhor dos senhores veio
a nós e que em suas mãos está o poder e a realeza, e ao perguntar onde está o
rei dos Judeus que acaba de nascer, a antífona da liturgia de hoje e os magos
do evangelho parecem confirmar essa ideologia. Mas ambos nos remetem a uma
estrebaria, a uma cocheira de animais e a um Menino enrolado em pobres panos,
sem poder ou realeza.
Com a liturgia da epifania do Filho de Deus, a
Igreja quer suscitar nos cristãos tanto a alegria como o discernimento, mas a
primeira depende essencialmente do segundo. Orgulhosas pretensões de
superioridade e de precedência não podem nos fazer esquecer que os primeiros
sujeitos que se mostraram capazes de reconhecer a manifestação de Deus em Jesus
Cristo foram pastores e pagãos, pecadores e prostitutas. Enquanto pagãos deixam
a zona de conforto, buscam e perguntam, o poderoso Herodes é tomado pelo medo e
os mestres e sacerdotes apenas ensinam, incapazes de dar um passo.
Em Jesus, Deus vem ao encontro daqueles que
estão longe, que são tratados como últimos, que nada merecem e nada podem. E se
revela aos utópicos e sonhadores, aos buscadores de terras sem males, aos
construtores do bem viver, aos nômades e vagantes num mundo que aborta os
sonhos, que substitui o paraíso pelo shopping center, que não reconhece limites
para a ambição, que turbina as paixões desprovidas de razão, que repete doce
mentiras para convencer os pobres a aprovar projetos que os golpeiam, como fazem
Temer e seus asseclas em relação à reforma da Previdência.
Diante de tão grande e belo mistério, que
passou despercebido às gerações anteriores e parece um equívoco aos poderosos
de plantão, uma parte da nossa resposta é aquela à qual nos chama a profecia de
Isaias: levantar os olhos, ver a libertação desabrochando por todos os lados,
ficar radiante e vibrar de alegria, sentir o coração batendo forte e querendo
saltar pela boca... Mas o outro lado dessa resposta é a ruptura com todo e
qualquer resquício de colaboração com a ideologia dos meios poderosos e da
superioridade ética ou religiosa. Depois de adorar Jesus, os magos pagãos
voltam por outro caminho...
Jesus, Deus Menino, Deus em fraldas, carne da
nossa carne! Chegamos a esta fase da nossa caminhada e à tua tenda, que é casa
de todos os homens e mulheres de boa vontade, acompanhando buscadores
estrangeiros e guiados por sinais às vezes obscuros. Na verdade, é unicamente a
sede que nos guia à fonte, é unicamente a busca que nos mantem no caminho, é
apenas o sonho que nos mantém com os pés no chão. E isso é tudo o que te
oferecemos: nossa sede, nossa busca, nossos sonhos. Pois sabemos que, mesmo quando não te vemos
nem reconhecemos, já nos encontraste e abraçaste, incondicionalmente. Assim
seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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